Como sair deste inferno humano? A
nossa democracia é apenas de voto, não representa o povo mas os interesses dos
que financiaram as campanhas, por isso é de fachada ou, no máximo, de
baixíssima intensidade. De cima não se há de esperar nada pois entre nós se
consolidou um capitalismo selvagem e globalmente articulado
Por: Leonardo Boff
Consideremos, em primeiro lugar, a sociedade do
cansaço. Efetivamente, a aceleração do processo histórico e a multiplicação
de sons, de mensagens, o exagero de estímulos e comunicações, especialmente
pelo marketing comercial, pelos celulares com todos os seus aplicativos, a
superinformação que nos chega pelas midias sociais, nos produzem, dizem estes
autores, doenças neuronais: causam depressão, dificuldade de atenção e uma
síndrome de hiperatividade.
Efetivamente, chegamos ao fim do dia estressados e
desvitalizados. Nem dormimos direito, desmaiamos.
Acresce ainda o ritmo do produtivismo neoliberal
que se está impondo aos trabalhadores no mundo inteiro. Especialmente o estilo
norteamericanmo cobra de todos o maior desempenho possível. Isso é regra geral
também entre nós. Tal cobrança desequilibra emocionalmente as pessoas, gerando
irritabilidade e ansiedade permanente. O número de suicídios é assustador.
Ressuscitou-se, como já referi nesta coluna, o dito da revolução de 68 do
século passado, agora radicalizado. Então se dizia: “metrô, trabalho, cama”.
Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer: doenças letais,
perda do sentido de vida e verdadeiros infartos psiquicos.
Detenhamo-nos no Brasil. Entre nós, nos últimos
meses, grassa um desalento generalizado. A campanha eleitoral turbinada
com grande virulência verbal, acusações, deformações e reais mentiras e o fato
de a vitória do PT não ter sido aceita, suscitou ânimos de vindita por parte
das oposições. Bandeiras sagradas do PT foram traídas pela corrupção em
altíssimo grau, gerando decepção profunda. Tal fato fez perder costumes
civilizados. A linguagem se canibalizou. Saiu do armário o preconceito contra
os nordestinos e a desqualificação da população negra. Somos cordiais também no
sentido negativo dado por Sergio Buarque de Holanda: podemos agir a partir do
coração cheio de raiva, de ódio e de preconceitos. Tal situação se agravou com
a ameaça de impeachment da Presidenta Dilma, por razões discutíveis.
Descobrimos um fato, não uma teoria, de que entre
nós, vigora uma verdadeira luta de classes. Os interesses das classes abastadas
são antagônicos aos das classes empobrecidas. Aquelas, historicamente
hegemônicas, temem a inclusão dos pobres e a ascensão de outros setores da
sociedade que vieram ocupar o lugar, antes reservado apenas para elas. Importa
reconhecer que somos um dos países mais desiguais do mundo, vale dizer, onde
mais campeiam injustiças sociais, violência banalizada e assassinatos sem conta
que equivalem em número à guera do Iraque. Temos ainda centenas de
trabalhadores vivendo sob condição equivalente à escravidão.
Grande parte destes malfeitores se professam cristãos:
cristãos martirizando outros cristãos, o que faz do cristianismo não uma fé mas
apenas uma crença cultural, uma irrisão e uma verdadeira blasfêmia.
Como sair deste inferno humano? A nossa democracia
é apenas de voto, não representa o povo mas os interesses dos que financiaram
as campanhas, por isso é de fachada ou, no máximo, de baixíssima intensidade.
De cima não se há de esperar nada pois entre nós se consolidou um capitalismo
selvagem e globalmente articulado o que aborta qualquer correlação de forças
entre as classes.
Vejo uma saída possível, a partir de outro lugar
social, daqueles que vem debaixo, da sociedade organizada e dos movimentos
sociais que possuem outro ethos e outro sonho de Brasil e de mundo. Mas
eles precisam estudar, se organizar, pressionar as classes dominantes e o
Estado patrimonialista, se preparar para eventualmente, propor uma alternativa
de sociedade ainda não ensaiada mas que possui raízes naqueles que no passado
lutaram por um outro Brasil e com projeto próprio. A partir daí formular outro
pacto social via uma constituição ecológico-social, fruto de uma constituinte
exclusiva, uma reforma política radical, uma reforma agrária e urbana
consistentes e a implantação de um novo design de educação e de serviços
de saúde. Um povo doente e ignorante nunca fundará uma nova e possível
biocivilização nos trópicos.
Tal sonho pode nos tirar do cansaço e do desamparo
social e nos devolver o ânimo necessário para enfrentar os entraves dos
conservadores e suscitar a esperança bem fundada de que nada está totalmente
perdido, mas que temos uma tarefa histórica a cumprir para nós, para nossos
descendentes e para a própria humanidade. Utopia? Sim. Como dizia Oscar Wilde:
“se no nosso mapa não constar a utopia, nem olhemos para ele porque nos está
escondendo o principal”. Do caos presente deverá sair algo bom e esperançador,
pois esta é a lição que o processo cosmogênico nos deu no passado e nos está
dando no presente. Em vez da cultura do cansaço e do abatimento teremos uma
cultura da esperança e da alegria.
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