quarta-feira, 30 de novembro de 2016

À memória da tia Isabel Buscardini

Não sou do PAIGC, alias, não sou de nenhum partido político mas tenho uma grande admiração e respeito pelos Combatentes da Liberdade da Pátria, todos eles, sem excepção, seja os que lutaram nas frentes dos combates de arma nas mãos, seja aqueles que andavam pela Zona Zero na mobilização, seja aqueles que calcorreavam o mundo na chamada Frente Diplomática a pedinchar apoios, seja aqueles que assistiam os guerrilheiros ou mesmo aqueles que simplesmente serviam o partido no secretariado em Conacri. Todos me merecem um profundo respeito, isto sem nunca ter sido sequer pioneiro do Partido de Amílcar Cabral. É o respeito puro, acreditem!

Tive o privilégio de visitar o celebre ‘bureau’ do histórico PAIGC na Guiné-Conacri onde funcionou o mítico secretariado do partido de Cabral, de resto, o local que servirá de cenário de morte do lendário engenheiro revolucionário.

Um dia ao falar com o não menos Combatente de Primeira Hora, general José Sanhá, sobre a gesta libertadora e os seus principais atores, pude saber que entre as pessoas que labutavam no ‘bureau’ do PAIGC em Conacri ao lado de Amílcar Cabral encontrava-se a Isabel Buscardini.

Rápido, procurei a tia Isabel para saber o que andou ela a fazer no ‘bureau’, qual foi o seu verdadeiro papel, como conheceu o engenheiro-chefe-de-guerra, como era o ambiente entre os camaradas, coisas assim. Pura curiosidade de um jovem que quer saber cada vez mais das peripécias da gesta libertadora. Naquela sua forma calma e mansa de falar - qual mulher de um celebérrimo chefe da polícia da Guiné de antanho - a tia Isabel nunca se furtou de me contar as passadas da luta, as curiosidades que se passaram no secretariado em Conacri. Mas, quase sempre interrompia a nossa conversa com um: Nha fidju no dixa pa utru dia. Era sempre quando a conversa ia no ponto.

Um dia das nossas muitas conversas – que até cheguei a pedir para passar a gravar mas ao que ela pediu que fosse mais tarde- lá me adiantou que estava a pensar seriamente em escrever a sua memória de luta. Contar a sua versão dos factos. Fiquei entusiasmado com a ideia. Pois com os relatos que ela poderia fazer íamos, de certeza, conhecer em pormenores, factos e casos partir de alguém que privou e de perto, durante largos anos, com o Militante Numero Um do velho PAIGC. É que muita boa gente só ouviu falar de Cabral, Isabel Buscardini é daquelas pessoas que conheceu, trabalhou, privou, com o Comandante-em-chefe do PAIGC. É uma autoridade se fosse falar de Cabral e da epopeia libertadora.

Sempre que a encontrava atirava-lhe com esta pergunta: Tia Isabel nta livro?

A resposta era quase sempre esta: Nha fidju na purpará. Tempo kun nka tene inda, ma i na bim!

Ela tratava-me por nha fidju ao saber que sou de Mansoa, terra em que ela fora criada e da qual passou a ser deputada na legislatura ainda em curso. Quando ainda estava na direcção do Clube de Futebol “Os Balantas” de Mansoa sempre que havia uma reunião em Mansoa fazia questão de, pessoalmente, convidar a tia Isabel Buscardini para tomar parte. Lá aparecia. Várias vezes deu o seu apoio às iniciativas do Clube.

Foi dessas andanças - contou-me alguém da entourage dela - que teria enxotado uma determinada personagem que teria tentado junto dela falar mal de mim. A resposta da tia Isabel perante o dito cujo teria sido esta: Nkata ceta pa papia mal de nha djintis na sé trás. Conta-se que o ambiente ficou tão pesado que o intrujo lá teve que fugir com o rabo entre as pernas. 

A tia Isabel partiu sem escrever o livro. É pena. Uma grande biblioteca do nosso país que se esfumou. Penso que todos nós, sobretudo, os sedentos de uma história de verdade contada pelos principais intervenientes na luta de Libertação Nacional ficamos com pena que assim tenha sido.

Termino como comecei. Não sou do PAIGC, aliás, não sou de nenhum partido, mas sou guineense e sendo isso posso emitir esta homenagem a qual associo uma exortação no sentido de este momento servir de recolhimento e de concórdia entre os Camaradas.
Em gesto de magnanimidade penso que o histórico partido poderia organizar uma singela homenagem à tia Isabel quanto mais não seja com base no estatuto de Combatente de Liberdade da Pátria que ela conquistou com brio e honra, isto independentemente de pertencer aos 15 ou aos cinco Camaradas que teriam estado na fundação do PAIGC nos idos de 1956!

É apenas a minha opinião,

Mantenhas de tchur.


Nota do Editor

Sem palavras perante enorme relato do extraordinário jornalista Mussá Baldé!

Estamos perante uma perda “gigantesca” como disse uma familiar!


Descansa em PAZ tia Isabel Buscardini

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