Deserto
avança sobre a Guiné-Bissau devido ao corte descontrolado de florestas --
especialista
Parte
do território da Guiné-Bissau mostra sinais de se estar a transformar num
deserto devido a décadas de abate descontrolado de florestas sem que haja medidas
para travar o problema, alertou um dos antigos responsáveis pelo setor
florestal. Se a
devastação voltar a níveis registados até 2014, "o deserto vai entrar com
uma força tão grande que eu acho que o povo guineense não merece tanto
castigo", referiu à Lusa Constantino Correia, engenheiro florestal.
Constantino
já foi diretor-geral de florestas entre 2004 e 2005 e agora acompanha projetos
de autossuficiência alimentar para o Ministério da Agricultura da Guiné-Bissau.
Este especialista no setor faz parte de um grupo que está a analisar crimes
ambientais cometidos no país para debate num fórum criminal a dinamizar nos
próximos meses pelas Nações Unidas.
A
agricultura nómada, a exploração de lenha e carvão (fonte de energia da maioria
dos lares guineenses) e a plantação de árvores de fruto têm dizimado a
floresta, mas na última década o corte ilegal acelerou a devastação. O auge
da invasão dos "tronqueiros" e suas motosserras, como são conhecidos
pela população os madeireiros, aconteceu depois do golpe de Estado militar de
2012.
"O Estado deixou de existir, as pessoas faziam o que
queriam e o que aconteceu nas florestas da Guiné-Bissau espero que nunca mais
aconteça", disse Constantino
Correia à Lusa, ao classificar os números como "avassaladores".
O único
inventário florestal do país, publicado em 1985, recomendava um limite de corte
de 20.000
metros cúbicos de madeira por ano para a soma de dez espécies
comerciais. No entanto, só em 2014, a Direção-Geral de Florestas e Fauna (DGFF)
certificou a exportação de 91.138 metros cúbicos
de uma única espécie cortada na Guiné-Bissau, a madeira pau-de-sangue, tendo quase toda como destino a China, referiu
Constantino Correia.
"Isto
é muito grave", sublinha, e só aconteceu porque houve "muitas
cumplicidades" das mais altas autoridades para que um punhado de gente
ganhasse muito dinheiro em pouco tempo, sem olhar aos danos ambientais a médio
e longo prazo.
"Somos
um milhão e meio de guineenses a viver neste país, que se submeteu aos
caprichos de um número insignificante. O negócio da madeira não beneficiou mais
que cinco mil pessoas" e de forma ilegal.
Constantino
Correia alerta que o corte continua, embora de forma mais tímida, ou seja,
"caiu 95%" depois de as autoridades eleitas em 2014 tomarem posse,
mas aproveita-se sempre da falta de meios de fiscalização."
A Lusa
tentou obter esclarecimentos juntos dos ministérios da Agricultura e dos
Recursos Naturais da Guiné-Bissau, mas sem sucesso. Entretanto, a paisagem
continua a mudar, o antigo diretor-geral das florestas diz que o aviso que está
a lançar é muito sério.
Sobretudo
no leste do país, regista-se uma subida de temperaturas para valores "nunca vistos na
Guiné-Bissau", há mudanças na
periodicidade das chuvas e surgem tempestades de poeira.
Ao
mesmo tempo, "o coberto vegetal está a diminuir drasticamente" e
daqui a uns anos será a vez de juntar a esta paisagem as consequências do abate
desenfreado que decorreu de 2012 a 2014.
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