Primeira nota: A notícia sobre a suspensão dos desembolsos do Fundo Monetário
Internacional à Guiné-Bissau é falsa. No FMI, decisões desta natureza apenas
são tomadas pelo Conselho de Administração. A última vez que este Conselho se
debruçou sobre a Guiné-Bissau foi em 10 de Julho de 2015.
Segunda nota: A mais recente declaração do FMI sobre o Programa com a
Guiné-Bissau foi divulgada na semana passada e diz o seguinte:
The Current IMF Extended
Credit Facility (ECF) is off track, but corrective measures related to bank bailouts
in 2015 and an agreement on the fiscal stance for the remainder of 2016 could
bring the program back on track. The bailouts implied an immense overrun in net
credit to the government (CFA 34 billion, 5.5 percent of GDP), the key
performance indicator under the IMF program. Discussions for corrective
measures were initiated under Correia’s Government and could resume as soon as
new Government is in place. Furthermore, the Bissau-Guinean authorities need to
identify and agree with the Fund staff modalities to close the newly emerged
financing gap in the 2016 budget as development partners no longer intend to
grant budget support to Guinea-Bissau this year.
Como se pode ler na nota, em nenhum momento o FMI fala
de suspensão de desembolsos ou de algo parecido. A veracidade desta declaração
poderá ser confirmada junto do FMI.
Terceira nota: O FMI faz globalmente uma avaliação positiva dos vários
indicadores do programa com a Guiné-Bissau, mas considera que o resgate aos
bancos (bailout), efectuado em 2015, põe em causa um indicador fundamental e
coloca em risco todo o programa.
Quarta nota: O resgate (a injecção de fundos públicos para salvar bancos em
risco de falência) é uma operação comum em situações de risco de insolvência de
bancos. Por exemplo, na sequência da crise financeira de 2007-08, alguns países
desenvolvidos com ou sem programa com o FMI (EUA, Portugal) utilizaram o
resgate para salvar bancos privados em dificuldades. A justificação económica
do resgate é simples: as instituições financeiras asseguram a eficiente
alocação das poupanças para investimentos produtivos e são motores importantes
do crescimento económico. A falência dos bancos pode ter impactos negativos no
crescimento económico.
Quinta nota: Porque fizemos o resgate em 2015? Porque em meados de 2014,
descobrimos que dois dos quatro bancos comerciais privados da Guiné-Bissau
estavam com enormes dificuldades. O ‘crédito tóxico’ (crédito mal parado) nos
dois bancos ascendia a 34 bilhões de CFA. Os rácios prudenciais eram
preocupantes e ambos os bancos estavam na iminência de suspender a concessão de
créditos à economia. Descobrimos ainda que esses créditos mal parados
remontavam ao período anterior a 2013. Os bancos atribuem a situação ao golpe
de Estado de 2012 que terá prejudicado muitos operadores económicos.
Sexta nota: Como fizemos o resgate? O governo de transição já havia
preparado uma operação de resgate que não foi concluída. Passámos vários meses
a discutir com os bancos diferentes opções e analisámos as várias implicações
que a operação poderia ter. Era importante assegurar que a solução fosse
fiscalmente “neutra”, isto é, que não representasse um risco fiscal. Em Julho
de 2015 encontrámos finalmente uma fórmula que nos pareceu adequada: a
contracção pelo governo de um crédito juntos dos bancos a resgatar e a alocação
do empréstimo contraído para a limpeza da carteira de créditos mal parados.
Nos termos do contrato, o governo teria dez anos, isto
é até 2025, para reembolsar o empréstimo contraído, caso os devedores não
reembolsassem durante esse período. O governo mandatou ainda os bancos a
prosseguirem a cobrança das dívidas e a gerir as garantias reais (agora
pertença do governo) em seu nome. A operação alterou automaticamente os rácios
dos bancos que passaram dessa forma a poder conceder novos créditos e a pagar
impostos (os bancos passaram a gerar lucros).
Sétima nota: A operação pareceu-nos perfeitamente sensata. Ela traria
benefícios aos bancos (que poderiam voltar a dar créditos à economia), aos
operadores económicos (que poderiam retomar as suas actividades) e à economia
em geral. Ela foi feita de boa-fé, com base no interesse nacional, e foi
consensual entre todos os actores directa ou indirectamente implicados
(governo, bancos, operadores económicos, BCEAO, etc.).
Oitava nota: Na avaliação do Programa em Novembro de 2015, o FMI opôs-se ao
resgate com o argumento de que punha em causa um indicador fundamental do
programa (o Crédito Líquido ao Governo). A posição do FMI foi que se voltasse
atrás nesta operação sob pena de o programa não poder prosseguir. As
conversações com o FMI não mudaram a posição da organização. Com a anuência do
governo, o Ministro da Economia e Finanças fez uma carta aos dois bancos em 9
de Março de 2016, rescindindo unilateralmente o contrato de resgate e propondo
prosseguir discussões para se encontrar outras opções de saneamento. Medidas
correctivas adicionais foram acordadas com o FMI para se ultrapassar a situação
e estão em execução.
Nona nota: Grande parte dos apoios ao orçamento previstos par 2016 não se
materialização devido às múltiplas incertezas. Não há orçamento, não há apoio
orçamental. Isto é fácil de compreender. Não se pode jogar futebol sem bola.
Trabalhámos com os parceiros num plano B para a utilização dos fundos previstos
para apoio orçamental. O fundo do Banco Mundial (5,2 bilhões CFA) foi
redireccionado ao Projecto de Desenvolvimento Dirigido pelas Comunidades
(assinei o Acordo de Financiamento há três semanas). Estávamos a discutir a
utilização a dar ao fundo do BAD (4,2 bilhões CFA). Quanto à União Europeia,
ficou assente que o desembolso (6,5 bilhões CFA) só teria lugar no primeiro
trimestre de 2017, dado o longo procedimento na preparação do apoio orçamental.
Portanto, a Guiné-Bissau não perderá um tostão dos fundos do apoio orçamental.
Ao mesmo tempo, identificámos medidas concretas para cobrir o gap de
financiamento ao orçamento 2016.
Décima nota: A décima e última nota tem a ver com a interpretação que faço
de todo o imbróglio gerado por um facto inexistente. Não quero forçar nenhuma
conclusão. Mas tudo isto faz-me lembrar o Mário Jardel. O outrora exímio
goleador do F.C. Porto, sempre que marcava um golo, levantava a camisola e
deixava ler a seguinte frase na sua camisola interior:
Porque Será?
Bissau, 7 de Junho de 2016
PS. O dossier completo do resgate está no Ministério
da Economia e Finanças.
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