sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

"A Visita do Finado Morto e Embalsamado"

20 de Janeiro 1973-2017 - Amílcar Lopes Cabral

O que se diria a um defunto finado que por anacronismo histórico, resolvesse nos visitar passado 44 anos da sua morte e 92 anos do seu nascimento? Que palavras seriam mais apropriadas para lhe expor o seu legado, o seu tributo?...a sua memória?

Falariamos com convicção académica dos seus contributos para a evolução do pensamento humano, panafricanos e quiça até universal. Sim, também falariamos dos seus feitos e do reconhecimento que o seu trabalho terá tido em algumas instâncias africanas e até mundiais...

Falariamos ainda dos desfechos das lutas de libertação que ele iniciou e conduziu, mas que já não pude assistir o seu fim. Dos processos das independências, das revoluções e convulsões que lhes sucederam. Das guerras civis. Falariamos dos movimentos e doutrinas que se impuseram e os que foram para o baú da história com a queda do muro de Berlim e o fim da guerra fria.

Falariamos com orgulho e certamente com algum cinismo e fanfaronice, dos ideais nacionalistas e até tribalistas, que suplantaram os seus ideais universalistas. Explicariamos as incongruências sócio-políticas das suas teses de união de dois países geograficamente separados por um palmo de mar de águas.

Falariamos da queda dos colonos, dos criolos e dos demais apátrios non-gratos. Da supremacia de uns raros iluminados e da míseria de uns milhares de milhões de almas.

Falariamos da forma como os políticos que reclamam pelo seu legado histórico, apropriaram-se do Poder, do Estado e da Economia, de forma carnívora e até canibalistica, em absoluta cegueira do bem comum.

Falariamos também sim, e certamente com menos paixão, do desprezo e abandono da promoção da cultura, da literatura e das ciências como forma de educar e civilizar o povo. Falariamos de coisas assim e de outras que ele não foi digno de viver.

Por fim, falariamos da saúde, da formação dos quadros, da promoção da agricultura e do desenvolvimento humano... e mostrariamos a desprioridade desses sectores para a afirmação da Nação.

Enfim, falariamos da vida e da morte de um Homem que depois de morto, não só o corpo foi enterrado, mas sobretudo à sua visão e o seu legado foi sepultado e embalsamado para nunca mais ressuscitar...

Que a sua alma descanse em paz e que não volte mais a nos visitar. Nem nos sonhos dos mais iluminados. Não vá sem querer esse velho homem de 92 anos, ter um mal estar e nos morra novamente entre as mãos. Que Deus nos livre de tal peso histórico. O que carregamos já, já é tão imenso....

Por: Ireneu Vaz - Ironia e Miséria Humana


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