Um
parlamento tenta funcionar de manhã, outro reúne-se depois, até à noite, para
reverter as medidas do primeiro. Eis um dos retratos da semana da Guiné-Bissau.
A
crise política no país chegou a um novo pico de tensão (mas sem armas, nem
violência), com o Governo a acusar o Presidente da República, José Mário Vaz,
de apoiar “um golpe institucional” parlamentar.
O
conflito está no auge, desde que, a 13 de agosto de 2015, o chefe de Estado
alegou desconfianças, desrespeito e suspeitas de ilegalidades para demitir o
primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano da
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Os
dois personificam as divisões no PAIGC, a força mais influente na Guiné, num
confronto agora centrado na Assembleia Nacional Popular (ANP) porque é o órgão
que nas próximas semanas vai decidir o futuro do Governo – e, logo, decidir
quem vai controlar o país.
O
cenário que se vive hoje parecia improvável depois das eleições gerais de 2014,
pagas pela comunidade internacional para devolver o país à normalidade
constitucional, após o golpe de Estado militar de 2012.
Para
sublinhar a confiança nas novas autoridades guineenses, a comunidade internacional
prometeu mil milhões de euros para os programas desenhados pelo Governo e
apresentados em março de 2015, na mesa de doadores em Bruxelas.
Mas
em julho tornaram-se públicas as dificuldades de relacionamento entre
Presidente e primeiro-ministro, com Simões Pereira a queixar-se de ingerências
e falta de diálogo e Vaz a sentir-se desrespeitado e a acusar o Governo de
supostos crimes.
Em
agosto, apesar das posições contrárias da comunidade internacional, partidos e
forças vivas guineenses (todos em defesa da estabilidade), Vaz reafirmou as
suas convicções e desconfianças e demitiu o Governo eleito do PAIGC.
Deu
posse a um outro composto por militantes de outra ala do partido e também por
membros do Partido da Renovação Social (PRS) – numa reviravolta da principal
força da oposição, que até então apoiava o Governo de Simões Pereira.
O
Presidente escolheu Baciro Djá (terceiro vice-presidente do PAIGC) para
primeiro-ministro, mas este governo acabaria por ser declarado inconstitucional
pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em
outubro, Vaz acabou por ter que dar posse a um novo Governo escolhido pelo
PAIGC (vencedor das eleições com maioria na ANP) e liderado por um histórico do
partido, Carlos Correia, com um executivo na continuidade do que tinha sido
demitido.
Neste
xadrez, um grupo de militantes alinhados com as críticas feitas pelo Presidente
da República, negou o apoio ao programa de governação a 23 de dezembro no
Parlamento.
O
partido expulsou-os antes que o pudessem voltar a fazer na segunda votação, a
18 de janeiro, levando à queda do Executivo (porque sem os 15 deputados o PAIGC
perdia a maioria de 57 em 102 lugares) e requereu a respetiva perda de mandato
- deliberada a 15 de janeiro pela Comissão Permanente da ANP.
O
clima agravou-se: os dissidentes recusaram sair e juntaram-se aos 41 do PRS,
formando uma nova maioria que após interrompidos os trabalhos, na
segunda-feira, e à revelia da mesa da Assembleia, continuaram reunidos e
elegeram uma nova liderança do Parlamento.
Esta
outra sessão durou até à noite e os deputados aprovaram moções de censura e de
rejeição do programa de Governo, documentos entregues na Presidência da
República para promulgação.
Cipriano
Cassamá, declarou a sessão de apreciação do programa de Governo suspensa sem
data, até que haja serenidade no hemiciclo, classificando como “nulos” todos os
atos entretanto praticados na sala.
Pelo
meio, Domingos Simões Pereira apelou aos militantes do PAIGC para lutarem
contra “uma dúzia de indivíduos que procuram a todo o custo assumir o controlo do
país para assim apagarem os traços da sua conduta criminosa no passado”.
O
Governo emitiu mesmo um comunicado em que acusa o Presidente de República de
ser cúmplice numa “tentativa de golpe institucional” e em que denuncia haver
uma tentativa de “detenção” de membros do executivo.
A
Presidência reagiu pedindo “contenção verbal” e anunciando o início de
auscultações às forças vivas do país para encontrar uma solução.
Num
ponto todos concordam: aplaudem o distanciamento das forças armadas em relação
a esta crise, com os militares sossegados nos quartéis.
A
luta política reflete cisões que já eram visíveis no último congresso do PAIGC,
em fevereiro de 2014: Braima Camará e Aristides Ocante da Silva, dois dos nomes
hoje mais visíveis entre os contestatários, disputaram então a liderança do
partido com Simões Pereira.
As
divisões no seio do PAIGC acabaram por se diluir em torno da eleição do
ex-secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, mas estão
novamente à tona e a condicionar o desenvolvimento do país.
A
comunidade internacional deixou um aviso, esta semana, em comunicado: a rapidez
do “desembolso” dos apoios prometidos “depende da criação de condições de
estabilidade”.
Fonte: Lusa
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