Eduardo Costa
Dias, diretor do programa de mestrado e doutoramentos em Estudos Africanos do
ISCTE-IUL, considera que os princípios e ação política em África não podem ser
vistos apenas à luz das referências ocidentais. É preciso ter em atenção a
importância das estruturas e instituições tradicionais.
As eleições nestes países decorrem em
circunstâncias nacionais distintas, mas é legítimo extrair uma conclusão comum
sobre o que está a suceder em África?
Os
países africanos são como um ramo de flores, cada flor é diferente da outra, e
a situação é distinta em todos estes países. Por exemplo, as situações no Gana
e na República Democrática do Congo são totalmente distintas. E, claro, a
situação em Cabo Verde é única, absolutamente distinta da vivida na Guiné-Bissau,
onde o partido no poder, e as suas diferentes fações, está refém do crime
organizado. Em Cabo Verde temos uma democracia estabilizada, onde a alternância
tem sido a norma, ainda que o PAICV continue a ser o partido mais importante...
Cabo Verde continua a ser uma situação quase
única em África...
E
temos casos como o Níger, onde o atual presidente, Mahamadou Issoufou, deve ser
reeleito à norte-coreana,
com mais de 90% dos votos. Mas temos de ter em atenção o seguinte: é que há
outras redes de poder para além do institucional, como sucede no Níger, país
sob controlo de interesses económicos externos ligados à exploração do urânio e
das chamadas terras raras, e onde, igualmente, é determinante o papel das
confrarias muçulmanas. Por outro lado, é preciso ter presente a ameaça que o
Boko Haram representa para muitos destes países onde se vota em 2016 e que
soluções vão encontrar para o desafio que o grupo representa.
Essa característica é comum a outros países que
vão ter eleições este ano?
Há
circunstâncias diferentes. Por exemplo, no Uganda, são importantes as
autoridades tradicionais com as quais o presidente Yoweri Museveni soube
cultivar uma boa relação, concedendo-lhes honrarias, prestígio e dinheiro. E
gostaria de chamar a atenção para o caso da Zâmbia, onde será interessante ver
se o atual presidente, Edgar Lungu, consegue ou não ganhar a eleição.
As estruturas tradicionais são determinantes?
Em
África, a realidade é: um chefe, muitos votos. Isto pode não ser politicamente
correto, mas corresponde à realidade. Não é por acaso que em ulundi há uma
expressão que se pode traduzir por indicação de voto. É difícil nestas
sociedades, e mesmo nos seus espaços urbanos, verificar-se o princípio "um
homem, um voto". Há todo um conjunto de tendências baseadas numa dupla
genealogia, como sucede nas sociedades muçulmanas, a genealogia do saber
religioso e a genealogia propriamente biológica. Nestas sociedades é de grande
importância a cadeia de transmissão de conhecimento que se expressa pela
fórmula "digo isto porque ouvi de X que já tinha ouvido de Y, que tinha
ouvido ao seu mestre". Um princípio que se aplica, naturalmente, à
política, como referi ao falar de um chefe, muitos votos. E aquilo que se tem
verificado é a recuperação das autoridades tradicionais...
O modelo político das independências foi posto em
xeque?
Sim.
Aliás, as cabeças são outras, com exceção de Robert Mugabe. Isto é, a
mentalidade é diferente e as circunstâncias são outras também. Desde logo, pelo
fim da Guerra Fria.
E tem aplicação o modelo político ocidental, tal
como o concebemos e praticamos na Europa?
Não
tem aplicabilidade exata em África. Deve ter-se presente que os contextos são
outros nas sociedades africanas. Não são melhores nem piores, são diferentes.
As pessoas são outras. Só a importância concedida à senioridade é disso
exemplo. Outro caso: o relevo concedido às autoridades tradicionais pode
contribuir, e tem contribuído, para a pacificação de conflitos, pelo menos, em
sede local, com recurso a usos e costumes, uma prática quase inexistente na
Europa.
Falamos de transição política, mas também das
próprias sociedades?
E
estamos a falar apenas dos processos que mais facilmente se dão a ver. Outro
aspeto a ter em conta: as sociedades africanas são extremamente jovens, mais de
metade da população tem menos de 30 anos. Outro aspeto ainda, e eu vi isso no
Mali, numa aldeia onde não havia eletricidade, mas um emigrante em França
comprou um gerador e meia dúzia de computadores e criou um cibercafé. Note-se
isto: uma das frases que mais se ouve em qualquer língua africana é "eu
tenho saldo, ele não tem saldo". Mesmo aqueles que julgamos estarem
isolados, estão em contacto com o mundo. Podem não saber o francês, o inglês ou
o árabe, mas alguém lhes diz o que está a suceder.
Fonte: Diário de Notícias
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