terça-feira, 7 de junho de 2016

Explicação Sobre o FMI em Dez Notas

Primeira nota: A notícia sobre a suspensão dos desembolsos do Fundo Monetário Internacional à Guiné-Bissau é falsa. No FMI, decisões desta natureza apenas são tomadas pelo Conselho de Administração. A última vez que este Conselho se debruçou sobre a Guiné-Bissau foi em 10 de Julho de 2015.
Segunda nota: A mais recente declaração do FMI sobre o Programa com a Guiné-Bissau foi divulgada na semana passada e diz o seguinte:
The Current IMF Extended Credit Facility (ECF) is off track, but corrective measures related to bank bailouts in 2015 and an agreement on the fiscal stance for the remainder of 2016 could bring the program back on track. The bailouts implied an immense overrun in net credit to the government (CFA 34 billion, 5.5 percent of GDP), the key performance indicator under the IMF program. Discussions for corrective measures were initiated under Correia’s Government and could resume as soon as new Government is in place. Furthermore, the Bissau-Guinean authorities need to identify and agree with the Fund staff modalities to close the newly emerged financing gap in the 2016 budget as development partners no longer intend to grant budget support to Guinea-Bissau this year.

Como se pode ler na nota, em nenhum momento o FMI fala de suspensão de desembolsos ou de algo parecido. A veracidade desta declaração poderá ser confirmada junto do FMI.
Terceira nota: O FMI faz globalmente uma avaliação positiva dos vários indicadores do programa com a Guiné-Bissau, mas considera que o resgate aos bancos (bailout), efectuado em 2015, põe em causa um indicador fundamental e coloca em risco todo o programa.
Quarta nota: O resgate (a injecção de fundos públicos para salvar bancos em risco de falência) é uma operação comum em situações de risco de insolvência de bancos. Por exemplo, na sequência da crise financeira de 2007-08, alguns países desenvolvidos com ou sem programa com o FMI (EUA, Portugal) utilizaram o resgate para salvar bancos privados em dificuldades. A justificação económica do resgate é simples: as instituições financeiras asseguram a eficiente alocação das poupanças para investimentos produtivos e são motores importantes do crescimento económico. A falência dos bancos pode ter impactos negativos no crescimento económico.
Quinta nota: Porque fizemos o resgate em 2015? Porque em meados de 2014, descobrimos que dois dos quatro bancos comerciais privados da Guiné-Bissau estavam com enormes dificuldades. O ‘crédito tóxico’ (crédito mal parado) nos dois bancos ascendia a 34 bilhões de CFA. Os rácios prudenciais eram preocupantes e ambos os bancos estavam na iminência de suspender a concessão de créditos à economia. Descobrimos ainda que esses créditos mal parados remontavam ao período anterior a 2013. Os bancos atribuem a situação ao golpe de Estado de 2012 que terá prejudicado muitos operadores económicos.
Sexta nota: Como fizemos o resgate? O governo de transição já havia preparado uma operação de resgate que não foi concluída. Passámos vários meses a discutir com os bancos diferentes opções e analisámos as várias implicações que a operação poderia ter. Era importante assegurar que a solução fosse fiscalmente “neutra”, isto é, que não representasse um risco fiscal. Em Julho de 2015 encontrámos finalmente uma fórmula que nos pareceu adequada: a contracção pelo governo de um crédito juntos dos bancos a resgatar e a alocação do empréstimo contraído para a limpeza da carteira de créditos mal parados.
Nos termos do contrato, o governo teria dez anos, isto é até 2025, para reembolsar o empréstimo contraído, caso os devedores não reembolsassem durante esse período. O governo mandatou ainda os bancos a prosseguirem a cobrança das dívidas e a gerir as garantias reais (agora pertença do governo) em seu nome. A operação alterou automaticamente os rácios dos bancos que passaram dessa forma a poder conceder novos créditos e a pagar impostos (os bancos passaram a gerar lucros).
Sétima nota: A operação pareceu-nos perfeitamente sensata. Ela traria benefícios aos bancos (que poderiam voltar a dar créditos à economia), aos operadores económicos (que poderiam retomar as suas actividades) e à economia em geral. Ela foi feita de boa-fé, com base no interesse nacional, e foi consensual entre todos os actores directa ou indirectamente implicados (governo, bancos, operadores económicos, BCEAO, etc.).
Oitava nota: Na avaliação do Programa em Novembro de 2015, o FMI opôs-se ao resgate com o argumento de que punha em causa um indicador fundamental do programa (o Crédito Líquido ao Governo). A posição do FMI foi que se voltasse atrás nesta operação sob pena de o programa não poder prosseguir. As conversações com o FMI não mudaram a posição da organização. Com a anuência do governo, o Ministro da Economia e Finanças fez uma carta aos dois bancos em 9 de Março de 2016, rescindindo unilateralmente o contrato de resgate e propondo prosseguir discussões para se encontrar outras opções de saneamento. Medidas correctivas adicionais foram acordadas com o FMI para se ultrapassar a situação e estão em execução.
Nona nota: Grande parte dos apoios ao orçamento previstos par 2016 não se materialização devido às múltiplas incertezas. Não há orçamento, não há apoio orçamental. Isto é fácil de compreender. Não se pode jogar futebol sem bola. Trabalhámos com os parceiros num plano B para a utilização dos fundos previstos para apoio orçamental. O fundo do Banco Mundial (5,2 bilhões CFA) foi redireccionado ao Projecto de Desenvolvimento Dirigido pelas Comunidades (assinei o Acordo de Financiamento há três semanas). Estávamos a discutir a utilização a dar ao fundo do BAD (4,2 bilhões CFA). Quanto à União Europeia, ficou assente que o desembolso (6,5 bilhões CFA) só teria lugar no primeiro trimestre de 2017, dado o longo procedimento na preparação do apoio orçamental. Portanto, a Guiné-Bissau não perderá um tostão dos fundos do apoio orçamental. Ao mesmo tempo, identificámos medidas concretas para cobrir o gap de financiamento ao orçamento 2016.
Décima nota: A décima e última nota tem a ver com a interpretação que faço de todo o imbróglio gerado por um facto inexistente. Não quero forçar nenhuma conclusão. Mas tudo isto faz-me lembrar o Mário Jardel. O outrora exímio goleador do F.C. Porto, sempre que marcava um golo, levantava a camisola e deixava ler a seguinte frase na sua camisola interior:

Porque Será?

Bissau, 7 de Junho de 2016

Por: : Geraldo Martins (Geraldo Martins)

PS. O dossier completo do resgate está no Ministério da Economia e Finanças.


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