quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

ROB ROY ou Sr. Quintino de Rua Angola



Que a terra lhe seja leve e que a sua alma volte a terra dos seus ancestrais se o seu corpo não voltar. O Sr. Quintino, denominado de Rob Roy como o justiceiro Escocês imortalizado por Sir Walter Scott, vai deixar saudades, não apenas a mulher e filhos mas a nós que o conhecemos e que um dia privamos com ele. Nosso distinto vizinho, fino, discreto, educado, simples e simpático. Nós o conhecemos como Rob Roy na nossa infância e esse nome nos fazia imaginar o porquê de ele ser chamado assim... 
 
Mas infelizmente nunca tivemos o atrevimento de perguntar-lhe e provavelmente nunca saberemos agora... De facto devia haver um razão… seria o seu sentido apurado de justiça? Esse sentido de justiça contra a injustiça vigente na sua Pátria que o fez procurar outras terras para dar uma vida melhor a sua família e filhos? A injusta situação nacional não o permitia cuidar da sua família como queria e sonhava?

Sim provavelmente não deram-lhe o nome do Justiceiro em vão. Mas na Guerra de 98 acho que descobri porque chamavam-lhe assim. Nesse frenético e fatídico dia 10 de Junho, quando o levei ao Centro Cultural Francês, debaixo do insano e destrambelhado bombardeamento da Junta, para o entregar são e salvo ao então embaixador da França no País. 

Momentos antes eu encontrei na rua, e no meu próprio desespero, li o desespero nos olhos dele, e o vi perdido na sua própria terra sem conseguir compreender e nem saber como lidar com o que acontecia (ninguém sabia, nem o Presidente da República) e arranjei essa saída depois de saber que ele tinha nacionalidade Francesa. Fomos a sua casa buscar os documentos e uma pequena mala com parcos pertences e no meu carro fomos ao CCBFG.

E eu como Guineense não podia entrar e ficar abrigado ali, pois a União Europeia só cuidava dos seus e ia repatriar apenas cidadãos Europeus. Mas ao ver que eu trazia para a sua protecção um “cidadão” Europeu, embora do meu sangue, o Embaixador pediu-me desculpas por essa maldade involuntária de ter que me por na rua. Por não me poder acolher pois eu (infelizmente, dado as circunstâncias) não era Europeu. 

Então quando eu ia sair, para enfrentar de novo as bombas que caiam, sob o olhar pesaroso dos estrangeiros ali abrigadas, o Rob Roy, o nosso Sr. Quintino, vizinho de longos anos, pegou-me as mãos, pediu-me desculpas por essa injustiça que não podia reparar nem combater. E deu-me um forte abraço de despedida e agradeceu-me ter preocupado especialmente com ele nessa hora tão complicada para todos nós... 

Depois desse dia nunca mais o vi. E lembro-me dele assim olhando para mim impotente enquanto eu dirigia-me para o portão de saída. Mas sai tranquilo, pois sabia que ele, sendo francês de nacionalidade, embora manjaco de Picis, iria ser levado a França para os braços da tia Maria que nessa altura, desesperada, esperava noticias do marido que apenas veio de férias, depois de tantos anos, e teve o azar de ser apanhado no meio de uma Guerra no seu próprio País. 

Saí, sem pena de sair ,e tranquilizado, pois se eu não sobrevivesse, ele contaria a minha historia, a nossa historia, a historia da nossa insana Guerra. Mas também porque era mais que um vizinho para mim, era um familiar. Se não sobrevivesse um familiar sobreviveria... 

Meus pêsames tia Maria, Zita, Naio, Celita, Leão, Nesy, Aimone e todos os outros irmãos, sobrinhos, cunhados, netos, amigos e conterrâneos em Bissau e França. Que Rob Roy, Quintino de Rua Angola, descanse em paz por fim.

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