terça-feira, 19 de janeiro de 2016

PELO POVO E PELA SUA FORÇA E CAPACIDADE DE SOFRIMENTO


Ontem recusei várias chamadas de vários jornalistas por ter decidido não voltar a falar do nosso imbróglio político. Da minha parte chega, outros que falem, há montes de juristas, com boa reputação que já estão a falar, além de personalidades de todas as áreas de saber. Alguém falou um dia na engenharia jurídica… quem sabe ela existe mesmo.
 
Decidi escrever estas palavras de apreço ao povo guineense, ao incansável guineense que se vê molestado todos os dias pelas atitudes dos políticos sem ter a quem recorrer e, pior ainda, ser-lhe obrigado a tomar um partido, como se a sua existência dependesse disso, o que lhe confunde ainda mais.

Em tempos, a quando das eleições, repeti uma frase aqui por várias vezes: “só é totalmente livre aquele que puder rejeitar o que lhe faz mal”, e esqueci a pergunta-chave: mas será eu quem defina o mal ou se será o próprio povo, individualmente falando, mas também como uma colectividade, um grupo, onde me insiro que terá de decidir isso? Como ponto de partida, tomo como pacífico, o facto de ainda ontem, pela manhã, com o dia cerrado de nevoeiro, qual dia de chuva, ainda ter vislumbrado aqui, acolá, nas imediações da ANP, alguma multidão, a exibir tarjas de apoio ao seu preferido nesta contenda, mais uma vez, com potencial de ser fratricida. Sintomático…

Como admiro este povo: ontem nas várias vezes que circulei pela cidade durante o dia, e tenho vantagem de andar a pé ou nos transportes públicos, tive a sorte de ver, em cada zona que passava, pequenas multidões completamente pregadas ao rádio, com ar cerrado, imbuídos de muita ansiedade, a espera de ouvir um final feliz. O medo tomou conta das pessoas pela incerteza no desfecho e também pelo cansaço… à espera de um milagre!

Sim, meus amigos, mesmo aqueles que defendem de forma mais ferrenha cada um dos lados, bem no fundo, esperam que isto tenha um final feliz. Por isso, mesmo para estes, havia um ar de frustração, tristeza, impaciência, e acima de tudo muita ansiedade!

Pior foi esta noite, onde voltei a fazer um tour pela cidade, só na zona centro, onde existem fast-foods bem frequentados quando cai a noite. De novo deserto total. No meu local de encontro para o café e dedinho de converso com os meus amigos, nem pudemos falar do futebol pós jornada do fim-de-semana: do penalti mal assinalado contra o meu Sporting, do hipotético fora-de-jogo do Mitroglu (escrevi bem?) e, pior ainda, a derrota do Porto com Casillas a soltar o galinheiro, e contratação do novo treinador, aquele que mais odeio - José Peseiro - em toda minha vida por me ter dado a pior época desportiva da minha existência como adepto leonino. Estava tudo muito estranho e tenso…

Ontem o centro da cidade também estava praticamente deserta, foi um dia enfadonho, aqueles dos filmes onde temos bruxas que voam em vassouras e aterrorizam uma determinada aldeia da idade média. Mesmo o debate político sempre quente sempre que haja multidão, pouco ouvi disso.

O povo está apreensivo, preocupado, e completamente defraudado. Afinal das contas, aquelas pessoas em quem confiaram os seus destinos, não se entendem mais uma vez – e tal e qual eu previ há sensivelmente dois anos - e, definitivamente, não dão mostras de se entenderem e esta crise começa a durar tempo demais com custos na vida de cada um de nós.

Convém referir que este ano, o Natal foi duro, difícil mesmo para a grande maioria da população. Apesar dos salários terem sido pagos, mas o funcionamento da economia familiar aqui é sui generis, e ficou afectada na sua espinha dorsal, pelo que vi mais pessoas em dificuldades que o habitual na quadra natalícia.

Ah meu povo, que tantas vezes não nos entendemos: estão sempre com aqueles de quem muito desconfio e, acima de tudo, com aqueles que não demonstram um pingo de respeito para connosco. Mas nessas horas de dificuldades e sofrimento, porque a cidade ficou triste e algo apreensiva senão mesmo assustada quanto a incerteza do desfecho, ficou ainda mais claro que o caminho a seguir não era este e o preço deste caminho, é e foi sempre muito alto.

Lembrei o clássico do Bonga, em cada guineense que fixei nos olhos: “é uma lágrima nos cantos dos olhos…”, da música Olhos Molhados! 

Com todo esse sofrimento, conseguem manter fé: o taxista que estava super nervoso se devia passar pela mãe-de-Água que é contígua à sede da ANP, para me deixar em casa ontem à tarde quando deixei o escritório; as pessoas que circulavam com algum nervosismo e sempre cabisbaixos e apressadas; o trânsito que à hora do almoço quando a sessão parlamentar foi interrompida, ficou ainda pior do que já era, e que me impediu de chegar atempadamente a minha aula e acabei por desistir dela; apesar disso tudo isso, pude ver o que mais nos caracteriza, a esperança, manteve-se intacta.

A maior lição que este povo me dá todos os dias e que teimo em não aprender, é ter esperança e fé, coisas que o guineense vê onde ninguém mais consegue enxergar. Admiro essa força dos meus, e sei que não a tenho, e talvez eu fosse mais feliz se conseguisse aprender essa lição muito simples que fazem dos guineenses gente muito simples e felizes com muito pouco, na verdade, demasiado pouco. Este povo prova que é possível ser miserável e feliz… surreal!

Fico feliz por sentir que o povo prefere manter a sua distância com toda essa situação que vivemos, facto que não acontecera quando tudo começou em Agosto. Tenho respondido quando me perguntam o que irá acontecer, como conseguiremos sair de toda essa situação complexa, onde cada segundo, cada passo, há mais um adensar de mais facto novo a juntar à uma longuíssima lista de reclamações, do qual tenho respondido seguinte: porque tenho de ser eu a dar solução à um problema que não criei e nem tomei parte quando a cozinharam?

A única certeza que eu tenho, é fazer parte de um povo forte, com todos os defeitos como qualquer povo, mas que sofreu muito e sofre todos os dias e é vítima do facto de ser sido abandonado – e foi sempre assim – por aqueles que prometeram cuidar dele. Esta é mais uma faceta do povo guineense, que sofre e sabe sofrer como ninguém.

Viva o povo guineense, maior vítima de tudo que tem sucedido!

Por: Gorky Medina  (GMM, 19 de Janeiro de 2016)

1 comentário:

  1. Obrigado irmão. Gostei e fiquei confortado e mais forte. Fizeste-me acreditar que este Povo saberá encontrar a solução mais sábia, longe da loucura em que teimosamente nos tentam empurrar. Um abraço fraterno e de paz. Jamel Handem

    ResponderEliminar