Ontem recusei várias chamadas de
vários jornalistas por ter decidido não voltar a falar do nosso imbróglio
político. Da minha parte chega, outros que falem, há montes de juristas, com
boa reputação que já estão a falar, além de personalidades de todas as áreas de
saber. Alguém falou um dia na engenharia jurídica… quem sabe ela existe mesmo.
Decidi escrever estas palavras de
apreço ao povo guineense, ao incansável guineense que se vê molestado todos os
dias pelas atitudes dos políticos sem ter a quem recorrer e, pior ainda,
ser-lhe obrigado a tomar um partido, como se a sua existência dependesse disso,
o que lhe confunde ainda mais.
Em tempos, a quando das eleições,
repeti uma frase aqui por várias vezes: “só é totalmente livre aquele que puder
rejeitar o que lhe faz mal”, e esqueci a pergunta-chave: mas será eu quem
defina o mal ou se será o próprio povo, individualmente falando, mas também como
uma colectividade, um grupo, onde me insiro que terá de decidir isso? Como
ponto de partida, tomo como pacífico, o facto de ainda ontem, pela manhã, com o
dia cerrado de nevoeiro, qual dia de chuva, ainda ter vislumbrado aqui, acolá,
nas imediações da ANP, alguma multidão, a exibir tarjas de apoio ao seu
preferido nesta contenda, mais uma vez, com potencial de ser fratricida.
Sintomático…
Como admiro este povo: ontem nas
várias vezes que circulei pela cidade durante o dia, e tenho vantagem de andar
a pé ou nos transportes públicos, tive a sorte de ver, em cada zona que
passava, pequenas multidões completamente pregadas ao rádio, com ar cerrado,
imbuídos de muita ansiedade, a espera de ouvir um final feliz. O medo tomou
conta das pessoas pela incerteza no desfecho e também pelo cansaço… à espera de
um milagre!
Sim, meus amigos, mesmo aqueles
que defendem de forma mais ferrenha cada um dos lados, bem no fundo, esperam
que isto tenha um final feliz. Por isso, mesmo para estes, havia um ar de
frustração, tristeza, impaciência, e acima de tudo muita ansiedade!
Pior foi esta noite, onde voltei
a fazer um tour pela cidade, só na zona centro, onde existem fast-foods bem
frequentados quando cai a noite. De novo deserto total. No meu local de
encontro para o café e dedinho de converso com os meus amigos, nem pudemos
falar do futebol pós jornada do fim-de-semana: do penalti mal assinalado contra
o meu Sporting, do hipotético fora-de-jogo do Mitroglu (escrevi bem?) e, pior
ainda, a derrota do Porto com Casillas a soltar o galinheiro, e contratação do
novo treinador, aquele que mais odeio - José Peseiro - em toda minha vida por
me ter dado a pior época desportiva da minha existência como adepto leonino.
Estava tudo muito estranho e tenso…
Ontem o centro da cidade também
estava praticamente deserta, foi um dia enfadonho, aqueles dos filmes onde
temos bruxas que voam em vassouras e aterrorizam uma determinada aldeia da
idade média. Mesmo o debate político sempre quente sempre que haja multidão,
pouco ouvi disso.
O povo está apreensivo,
preocupado, e completamente defraudado. Afinal das contas, aquelas pessoas em
quem confiaram os seus destinos, não se entendem mais uma vez – e tal e qual eu
previ há sensivelmente dois anos - e, definitivamente, não dão mostras de se
entenderem e esta crise começa a durar tempo demais com custos na vida de cada
um de nós.
Convém referir que este ano, o
Natal foi duro, difícil mesmo para a grande maioria da população. Apesar dos
salários terem sido pagos, mas o funcionamento da economia familiar aqui é sui
generis, e ficou afectada na sua espinha dorsal, pelo que vi mais pessoas em
dificuldades que o habitual na quadra natalícia.
Ah meu povo, que tantas vezes não
nos entendemos: estão sempre com aqueles de quem muito desconfio e, acima de
tudo, com aqueles que não demonstram um pingo de respeito para connosco. Mas
nessas horas de dificuldades e sofrimento, porque a cidade ficou triste e algo
apreensiva senão mesmo assustada quanto a incerteza do desfecho, ficou ainda
mais claro que o caminho a seguir não era este e o preço deste caminho, é e foi
sempre muito alto.
Lembrei o clássico do Bonga, em
cada guineense que fixei nos olhos: “é uma lágrima nos cantos dos olhos…”, da
música Olhos Molhados!
Com todo esse sofrimento,
conseguem manter fé: o taxista que estava super nervoso se devia passar pela
mãe-de-Água que é contígua à sede da ANP, para me deixar em casa ontem à tarde
quando deixei o escritório; as pessoas que circulavam com algum nervosismo e
sempre cabisbaixos e apressadas; o trânsito que à hora do almoço quando a
sessão parlamentar foi interrompida, ficou ainda pior do que já era, e que me
impediu de chegar atempadamente a minha aula e acabei por desistir dela; apesar
disso tudo isso, pude ver o que mais nos caracteriza, a esperança, manteve-se
intacta.
A maior lição que este povo me dá
todos os dias e que teimo em não aprender, é ter esperança e fé, coisas que o
guineense vê onde ninguém mais consegue enxergar. Admiro essa força dos meus, e
sei que não a tenho, e talvez eu fosse mais feliz se conseguisse aprender essa
lição muito simples que fazem dos guineenses gente muito simples e felizes com
muito pouco, na verdade, demasiado pouco. Este povo prova que é possível ser
miserável e feliz… surreal!
Fico feliz por sentir que o povo
prefere manter a sua distância com toda essa situação que vivemos, facto que
não acontecera quando tudo começou em Agosto. Tenho respondido quando me
perguntam o que irá acontecer, como conseguiremos sair de toda essa situação
complexa, onde cada segundo, cada passo, há mais um adensar de mais facto novo
a juntar à uma longuíssima lista de reclamações, do qual tenho respondido
seguinte: porque tenho de ser eu a dar solução à um problema que não criei e
nem tomei parte quando a cozinharam?
A única certeza que eu tenho, é
fazer parte de um povo forte, com todos os defeitos como qualquer povo, mas que
sofreu muito e sofre todos os dias e é vítima do facto de ser sido abandonado –
e foi sempre assim – por aqueles que prometeram cuidar dele. Esta é mais uma faceta
do povo guineense, que sofre e sabe sofrer como ninguém.
Viva o povo guineense, maior
vítima de tudo que tem sucedido!
Por: Gorky Medina (GMM, 19 de Janeiro de 2016)
Obrigado irmão. Gostei e fiquei confortado e mais forte. Fizeste-me acreditar que este Povo saberá encontrar a solução mais sábia, longe da loucura em que teimosamente nos tentam empurrar. Um abraço fraterno e de paz. Jamel Handem
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