segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

13 de Fevereiro - Dia Mundial da Rádio

Crónica
A VOZ QUE ME TEM CATIVO
E foi assim que recebi a notícia. É credível, não há que duvidar. Confio plenamente. Foi a mesma voz de sempre que a anunciou. Como duvidar da mesma voz que há décadas insiste em colorir o meu imaginário?
A mesma voz estéreo que me retrata o mundo para lá da minha janela. Para lá deste quarto onde, há décadas, resisto ao tempo. À espera do evidente. Do fim que tarda a chegar, adiando o recomeço.
A notícia veio, segura de si, pela mesma voz que me falou do fim da guerra e o início de tantas outras. A voz que me retratou poéticas revoluções de lendários líderes como Cabral e Castro. A mesma voz que me anunciara a morte de um negro norte-americano que teve um sonho tão comungado por tantos outros. Que me retratou o atentado ao João Paulo II e a morte da Madre Teresa de Calcutá. Sim, a mesma voz que me revela os improváveis da vida, anunciando trovoadas nas solarengas tardes primaverais.
Como duvidar daquele estilizada voz, de vigoroso timbre e ritmada cadência? Bem ensaiada essa voz que me tem cativo faz tempo. Não, não é individual. É uma voz colectiva e sai do meu transístor preto de forma uníssono, multiplicando-se de cor em cor, de tonalidades em tonalidades, de factos em factos. De facto!
Sim, a notícia chegou pela voz que me acordou para a vida. 
Chovia intensamente naquela noite mas nem mesmo a trovoada apagara aquela voz. Serena, de vigoroso timbre, que me anunciara as vestes do mundo. Para lá da minha janela.
Faz tempo que ninguém me visita. Ela, a voz, é a única e autorizada companhia. Não pede licença para entrar porque tem a porta sempre aberta. Sou todo ouvidos. Ela dá-me música e leva-me à missa aos Domingos. Presente, eternamente presente, traz-me tantas outras vozes contrárias que pinta o meu imaginário feito um puzzle multicolor, onde cada peça é uma vida. Onde cada facto é um pedaço de realidades múltiplas perdidas num labirinto.
Noutro dia levou-me ao baile e juntou-me de novo aos amigos de sempre. Os amigos que nunca partiram. Os verdadeiros amigos nunca partem! Estão todos comigo. Estão ancorados numa memória já cansada, mas fortemente viva. Foi numa tarde de Sábado que, de súbito, a voz anunciara uma música que me levara para um salão onde estavam todos os amigos de toda a vida. E dançamos abraçados, como se nunca nos tivéssemos separado. Inocentes e cúmplices na nossa pueril meninice. Eternos!
Hoje, a voz acordou-me para dizer que a vida me fora devolvida. E que esta era a derradeira oportunidade. Única e que eu era capaz. Motivado, levantei-me da cama e lentamente caminhei para a porta. Já na rua, cambaleando, com o pequeno transístor preto no bolso, a voz insistiu: “Vês como és capaz”? E deu-me música de novo!
E foi assim que recebi a notícia. É credível, não há que duvidar. Confio plenamente. Foi a mesma voz de sempre que a anunciou. Como duvidar da mesma voz que há décadas insiste em colorir o meu imaginário?

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