Ferreira Gullar
Meu povo, meu abismo
Meu povo é meu abismo.
Nele me perco:
Nele me perco:
a sua tanta dor me deixa
surdo e cego.
surdo e cego.
Meu povo é meu castigo
meu flagelo:
seu desamparo,
meu erro.
meu flagelo:
seu desamparo,
meu erro.
Meu povo é meu destino
meu futuro:
se ele não vira em mim
veneno ou canto-
apenas morro.
meu futuro:
se ele não vira em mim
veneno ou canto-
apenas morro.
Ferreira Gullar
Meu
povo, meu poema
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete como a espiga
se reflete como a espiga
se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta
menos como quem canta
do que planta
Nascido José de
Ribamar Ferreira em São Luís (MA), em 10 de setembro de 1930, Ferreira Gullar
cresceu em sua cidade natal e decidiu se tornar poeta na adolescência. Com 18
anos, passou a frequentar os bares da Praça João Lisboa e o Grêmio
Lítero-Recreativo da cidade. Aos 19 anos, descobriu a poesia moderna depois de
ler Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.
O perfil de Gullar no
site da ABL informa que, inicialmente, o escritor "ficou escandalizado com
esse tipo de poesia", mas mais tarde aderiu ao estilo, tornando-se
"um poeta experimental radical". Certa vez, ao comentar o período,
afirmou: "Eu queria que a própria linguagem fosse inventada a cada
poema".
Nessa época,
trabalhou no volume de poesia "A luta corporal" (1954), que o lançou
no cenário nacional. Essa obra que resultou de "uma implosão da linguagem
poética" é associada ao surgimento da poesia concreta. Gullar, porém,
romperia com o grupo mais tarde, passando a fazer parte do movimento
neoconcreto, ao lado de artistas plásticos e poetas do Rio.
Foi Gullar quem
escreveu o manifesto que marcou a aparição, em 1959, do movimento neoconcreto,
do qual também foram expoentes artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica. No
mesmo ano, saiu o ensaio "Teoria do não-objeto", outro texto
fundamental do movimento.
Dentre as obras
neoconcretas de Gullar, destacaram-se o "livro-poema", o "poema
espacial" e "poema enterrado".
Derradeiro trabalho
neoconcreto do poeta, este último consistia de uma sala que ficava no subsolo
do espaço de exposição. A ela, chegava-se por uma escada. Quem
"entrava" no poema encontrava lá embaixo um cubo vermelho. Dentro
dele, um cubo verde. E dentro deste, um outro cubo, branco, onde se lia em uma
das faces a palavra "rejuvenesça".
Depois do "poema
enterrado", Gullar se afastou do movimento e se envolveu com política,
tema de seus trabalhos seguintes. Ingressou no partido comunista e passou a
militar contra a ditadura militar. Chegou a ser preso e a viver na
clandestinidade. Fugiu do país, passando por Moscou, Santiago, Lima e Buenos
Aires.
Durante o exílio na
capital argentina, escreveu sua obra-prima: "Poema sujo" (1976).
Trata-se de um poema com quase 100 páginas que teve ótima recepção. Foi traduzido
para diversas línguas.
Gullar só voltou ao
Brasil em 1977, onde foi novamente preso e também torturado. Conseguiu ser
solto depois de pressão internacional e trabalhou na imprensa do Rio e como
roteirista de TV. Nos anos 1980, escreveu o seriado "Carga pesada" e
assinou a novela "Araponga", essa em parceria com Dias Gomes e Lauro
César Muniz.
Em 1985, com a
tradução da peça "Cyrano de Bergerac", ganhou o prêmio Molière, um
feito inédito na categoria tradução.
No país, lançou
"Na vertigem do dia" (1980) e a coletânea "Toda poesia".
Também artista plástico e crítico, escreveu "Etapas da arte
contemporânea" (1985) e "Argumentação contra a morte da arte"
(1993).
Em 1986, Ferreira
Gullar participou de um quadro no Jornal da Globo onde poetas, dramaturgos,
romancistas e cineastas produziam textos inspirados em fatos relatados no
noticiário. A ideia era que a participação dos cronistas fosse associada a
atividades culturais ou acontecimentos importantes. Gullar fazia comentários
sobre artes plásticas.
Gullar também foi
indicado ao Prêmio Nobel de Literatura em 2002.
Veja, abaixo, os
livros publicados por Ferreira Gullar
Poesia
"Um pouco acima
do chão" (1949)
"A luta
corporal" (1954)
"Poemas"
(1958)
"João Boa-Morte,
cabra marcado para morrer" [cordel] (1962)
"Quem matou
Aparecida?" [cordel] (1962)
"A luta corporal
e novos poemas" (1966)
"Por você, por
mim" (1968)
"Dentro da noite
veloz" (1975)
"Poema
sujo" (1976)
"Na vertigem do
dia" (1980)
"Crime na flora
ou ordem e progresso" (1986)
"Barulhos"
(1987)
"Formigueiro"
(1991)
"Muitas
vozes" (1999)
Crônica
"A estranha vida
banal" (1989)
Infantil e juvenil
"Um gato chamado
gatinho" (2000)
"O menino e o
arco-íris" (2001)
"O rei que mora
no mar" (2001)
"O touro
encantado" (2003)
"Dr. Urubu e
outras fábulas" (2005)
Conto
"Gamação"
(1996)
"Cidades
inventadas" (1997)
Memória
"Rabo de
foguete" (1998)
Biografia
"Nise da
Silveira" (1996)
Ensaio
"Teoria do
não-objeto" (1959)
"Cultura posta
em questão" (1965)
"Vanguarda e
subdesenvolvimento" (1969)
"Augusto dos
Anjos ou morte e vida nordestina" (1976)
"Uma Luz no
Chão" (1978)
"Sobre
Arte" (1982)
"Etapas da Arte
Contemporânea: do Cubismo à Arte Neoconcreta" (1985)
"Indagações de
Hoje" (1989)
"Argumentação
Contra a Morte da Arte" (1993)
"Relâmpagos"
(2003)
"Sobre Arte,
sobre Poesia" (2006)
Teatro
"Se Correr o
Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come" (1966), com Oduvaldo Vianna Filho
"A saída? Onde
fica a Saída?" (1967), com Antônio Carlos Fontoura e Armando Costa
"Dr. Getúlio,
Sua Vida e Sua Glória" (1968), com Dias Gomes
"Um rubi no
umbigo" (1978)
"O Homem como
Invensão de si Mesmo" (2012)
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