Recordo-me
dos primeiros anos da Guiné-Bissau independente, da euforia da população e do
espírito revolucionário que animava as hostes juvenis, entusiasmadas pelas
perspetival que a recém-conquistada liberdade parecia oferecer. O PAIGC,
partido vencedor da luta de libertação e que tinha proclamado unilateralmente a
independência, a 24 de Setembro de 1973 nas matas de Madina do Boé, após 11
anos de luta armada, prometia o bem-estar e a prosperidade a todos os
guineenses. Essa época foi marcada por uma grande efervescência cultural, com a
realização de festivais musicais, de concursos literários e teatrais.
Progressos significativos foram realizados no sector educativo com a abertura
de escolas por todo o País, proporcionando o acesso ao ensino a milhares de
crianças, promovendo ciclos de alfabetização das populações, concedendo bolsas
aos jovens guineenses para estudarem em universidades estrangeiras e
multiplicando iniciativas pedagógicas inovadoras destinadas a criação do “Homem
Novo” guineense.
Para
os guineenses o céu era o limite na construção de um País novo.
E
neste ambiente de euforia que chegavam de forma difusa (devido ao medo e a lei
do silêncio) relatos de perseguições políticas, prisões arbitrárias e
fuzilamentos sumários, que constituíam a outra parte da moeda do novo sistema
estabelecido. A população de Bissau era confrontada com carências alimentares e
longas filas frente aos armazéns habilitados a funcionar: tinha terminado a era
do livre empreendimento. Na visão das novas autoridades, o Estado é o único
ator económico, à semelhança dos países comunistas. O sistema começa a dar os
primeiros sinais de grave disfuncionamento.
A
década de oitenta tem o seu início com crises sucessivas: golpes, contragolpes,
fuzilamentos de dignitários do regime, ruturas com os dogmas fundadores – a
Unidade Guiné/Cabo Verde.
O
próprio regime põe a nu a sua barbaridade com a exibição de valas comuns de que
toda a população suspeitava a existência.
Era
o fim das ilusões.
Acontecimentos
verificados a milhares de quilómetros da Guiné-Bissau, como a queda do muro de
Berlim, a conferência de La Baulle, entre outros, obrigaram a mudanças
profundas no sistema político vigente na maioria dos países africanos. A
Guiné-Bissau não constituiu exceção e procedeu a alterações no seu sistema de
governação. Estas alterações políticas de fundo, assim como os programas de
ajustamento estruturais acordados com as instituições financeiras
internacionais, não sendo resultado de dinâmicas internas, contribuíram para
agudizar os problemas sociais existentes e dinamitar o “status quo” em vigor.
O
poder político vigente não soube gerir pacificamente as tensões naturais de um
sistema democrático multipartidário. No dia 07 de junho de 1998 essas tensões
empurraram o Pais para um conflito político militar que fez implodir as
estruturas do Estado.
A
partir de então, nem os programas pós-conflito nem as eleições sucessivas
conseguiram inverter a dinâmica de instabilidade. A má governação, a corrupção generalizada,
a manipulação da justiça, a instrumentalização étnica, os conflitos no interior
das forças armadas e no seio da classe política agravaram-se e, aos episódios
de crise política, social e militar, juntou-se o fenómeno do narcotráfico.
Decorridos
mais de 40 anos de poder político nas mãos dos guineenses, a independência não
trouxe afinal os ganhos prometidos e, ainda mais grave, despoletou a letargia e
falta de crença do Guineense no seu País.
Hoje,
entre o “ Terra Ranka” e o “Mon na Lama”, do que a Guiné-Bissau mais precisa é
de um novo Estado, construído sob outros paradigmas.
Bissau,
03 de Agosto de 2015
Por: Nelvina Barreto
Fonte:
Dias da Independência
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