quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Vigílias Ilegais

Um dos conceitos que se tornaram recentemente caros ao regime angolano é o das “vigílias ilegais”. A continuarmos por esta via, não tardará que o governo ilegalize as missas pela liberdade e pela vida dos críticos do regime.

As vigílias diárias na igreja da Sagrada Família, ora reprimidas pela polícia, resultaram da greve de fome de Luaty Beirão e do tratamento desumano a que tanto ele como os seus companheiros no Processo dos 15+1 têm sido submetidos.

Não conheço o Luaty Beirão nem os seus colegas. A história demonstra, porém, que, se um cidadão ignorar as chicotadas da injustiça e da opressão que recaem sobre outrem, o mais certo é ser ele a próxima vítima. O regime do MPLA está obcecado com o controlo absoluto do cidadão, e pretende fazer regredir o país para a época do partido único. Foi por isso que senti que tinha mesmo de estar presente nas vigílias.

Durante a última vigília, fiz uma certa introspecção. O Luaty Beirão é criminoso? Quer isso dizer que as centenas de pessoas que acorreram às três vigílias se juntaram para homenagear um marginal?

Temos aqui um microcosmo da nação angolana: intelectuais de renome que conheceram cadeias do sistema colonial; adolescentes cheios de sonhos para uma Angola melhor; avós, tias, esposas, amigas, namoradas. Temos aqui negros, brancos, indianos, rastas com os seus dreadlocks -- um verdadeiro arco-íris desta belíssima e riquíssima nação. Ter-se-ão juntado em defesa de um criminoso de sangue? Ou estarão a prestar apoio a um dos melhores filhos desta pátria?

A vigília foi um encontro de cidadãos que valorizam tanto a vida como a solidariedade. De cidadãos que consideram inadmissível que jovens tão excepcionais como Luaty Beirão e os seus colegas sejam tratados de forma desumana. Há muitos governantes deste país que não aceitam semelhante epifania.  

O Luaty e os seus colegas incomodam. O Luaty representa a possibilidade de gente com origens sociológicas distintas se unir para exigir um país mais justo, com uma gestão dos bens colectivos mais transparente. Isto incomoda. Nas vigílias, vimos de relance aquilo que é possível alcançar quando a venalidade e a cultura da gratificação instantânea são postas de lado.

Subtilmente, o Luaty Beirão e os seus colegas estão a mostrar-nos o caminho. Há jovens que caíram num certo cinismo, que acreditam que na vida o mais importante é pensar em nós e tentarmos, a todo custo, preservar os privilégios que temos. Não têm consciência social.

Pensávamos por isso que a juventude angolana era altamente venal – obcecada por viaturas, namoros, roupas de marca, um exibicionismo permanente. O Luaty Beirão e os seus colegas demonstram o contrário: que há uma outra dimensão, tão valiosa, da juventude. O Luaty e os seus colegas estão a desacreditar a cultura predominante da chamada elite angolana: o consumismo, as grandes festas, a imitação seca de burgueses estrangeiros. Essa elite distingue-se, sobretudo, pelo seu alto desprezo pelo povo.

O Luaty Beirão vai revelando que há um ideal que vale mais, para o qual ele está pronto a dar a sua própria vida. Não estamos habituados a ver jovens tão determinados, que agora nos fazem questionar a essência do nosso país. Na última vigília, vi a um canto três académicos que conversavam sobre a constituição Angolana. Um grupo de jovens, com velas nas mãos, tentava acompanhar a conversa dos kotas. Os académicos falavam de como não há provas concretas contras os jovens, de como houve atropelos muito sérios da lei para continuar manter os jovens na prisão; de como a constituição parece não ter valor.
 
O Luaty e os seus colegas fazem-nos pensar na dissonância que existe entre os elevadíssimos ideais que o governo proclama e a realidade brutal dos espancamentos, das humilhações e de outros maus-tratos que estes jovens têm conhecido. A um outro canto, um grupo de jovens conversava sobre o efeito psicológico de permanecer ao longo de meses numa cela solitária, com direito a uma hora diária de sol.

Nesta mesma vigília, vi um grupo de jovens a falar dos artistas angolanos, do Kota Bonga e do Paulo Flores, que deram a cara no início, apelando à libertação dos Manos. Um outro jovem falava do engenheiro Beirão e de como este o terá ajudado no passado. Uma jovem ali perto dizia que o Luaty estava a ser chorado ainda em vida e implorava a Deus que o salvasse. A Tia dizia que se lembrava do Luaty Beirão quando ele era criança; brincava com os filhos dela e estudou na Europa com um sobrinho. A Tia abanava a cabeça, dizendo que como mãe não conseguia aturar tanta maldade política, tanta injustiça.  

Depois, fez-se uma roda e as pessoas começaram a cantar – incluindo o hino nacional. Esta solidariedade entre angolanos, unidos em defesa da justiça, incomoda bastante. É por isso que não fiquei nada surpreendido quando, no noticiário, se falou de vigílias ilegais.

Também não fiquei surpreendido quando, no passado dia 12, agentes policiais, fardados e armados, interromperam a missa pela saúde dos presos políticos, na Igreja de São Domingos. Os referidos agentes espancaram e detiveram, no templo de Cristo, activistas que lá se encontravam e o padre que rezava a missa. Desse regime só não se espera o bom senso, o respeito pela democracia e a vida humana. Tudo o resto é possível.

Por: Moiani Matondo 14 de Outubro de 2015 
Fonte: Maka Angola 

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