Um dos conceitos que se tornaram recentemente caros ao regime
angolano é o das “vigílias ilegais”. A continuarmos por esta via, não
tardará que o governo ilegalize as missas pela liberdade e pela vida dos
críticos do regime.
As vigílias diárias na igreja da Sagrada Família, ora reprimidas pela
polícia, resultaram da greve de fome de Luaty Beirão e do tratamento
desumano a que tanto ele como os seus companheiros no Processo dos 15+1
têm sido submetidos.
Não conheço o Luaty Beirão nem os seus colegas. A história demonstra,
porém, que, se um cidadão ignorar as chicotadas da injustiça e da
opressão que recaem sobre outrem, o mais certo é ser ele a próxima
vítima. O regime do MPLA está obcecado com o controlo absoluto do
cidadão, e pretende fazer regredir o país para a época do partido único.
Foi por isso que senti que tinha mesmo de estar presente nas vigílias.
Durante a última vigília, fiz uma certa introspecção. O Luaty Beirão é
criminoso? Quer isso dizer que as centenas de pessoas que acorreram às
três vigílias se juntaram para homenagear um marginal?
Temos aqui um microcosmo da nação angolana: intelectuais de renome
que conheceram cadeias do sistema colonial; adolescentes cheios de
sonhos para uma Angola melhor; avós, tias, esposas, amigas, namoradas.
Temos aqui negros, brancos, indianos, rastas com os seus dreadlocks --
um verdadeiro arco-íris desta belíssima e riquíssima nação. Ter-se-ão
juntado em defesa de um criminoso de sangue? Ou estarão a prestar apoio a
um dos melhores filhos desta pátria?
A vigília foi um encontro de cidadãos que valorizam tanto a vida como
a solidariedade. De cidadãos que consideram inadmissível que jovens tão
excepcionais como Luaty Beirão e os seus colegas sejam tratados de
forma desumana. Há muitos governantes deste país que não aceitam
semelhante epifania.
O Luaty e os seus colegas incomodam. O Luaty representa a
possibilidade de gente com origens sociológicas distintas se unir para
exigir um país mais justo, com uma gestão dos bens colectivos mais
transparente. Isto incomoda. Nas vigílias, vimos de relance aquilo que é
possível alcançar quando a venalidade e a cultura da gratificação
instantânea são postas de lado.
Subtilmente, o Luaty Beirão e os seus colegas estão a mostrar-nos o
caminho. Há jovens que caíram num certo cinismo, que acreditam que na
vida o mais importante é pensar em nós e tentarmos, a todo custo,
preservar os privilégios que temos. Não têm consciência social.
Pensávamos por isso que a juventude angolana era altamente venal –
obcecada por viaturas, namoros, roupas de marca, um exibicionismo
permanente. O Luaty Beirão e os seus colegas demonstram o contrário: que
há uma outra dimensão, tão valiosa, da juventude. O Luaty e os seus
colegas estão a desacreditar a cultura predominante da chamada elite
angolana: o consumismo, as grandes festas, a imitação seca de burgueses
estrangeiros. Essa elite distingue-se, sobretudo, pelo seu alto desprezo
pelo povo.
O Luaty Beirão vai revelando que há um ideal que vale mais, para o qual ele está pronto a dar a sua própria vida. Não estamos habituados a ver jovens tão determinados, que agora nos
fazem questionar a essência do nosso país. Na última vigília, vi a um
canto três académicos que conversavam sobre a constituição Angolana. Um
grupo de jovens, com velas nas mãos, tentava acompanhar a conversa dos
kotas. Os académicos falavam de como não há provas concretas contras os
jovens, de como houve atropelos muito sérios da lei para continuar
manter os jovens na prisão; de como a constituição parece não ter valor.
O Luaty e os seus colegas fazem-nos pensar na dissonância que existe
entre os elevadíssimos ideais que o governo proclama e a realidade
brutal dos espancamentos, das humilhações e de outros maus-tratos que
estes jovens têm conhecido. A um outro canto, um grupo de jovens
conversava sobre o efeito psicológico de permanecer ao longo de meses
numa cela solitária, com direito a uma hora diária de sol.
Nesta mesma vigília, vi um grupo de jovens a falar dos artistas
angolanos, do Kota Bonga e do Paulo Flores, que deram a cara no início,
apelando à libertação dos Manos. Um outro jovem falava do engenheiro
Beirão e de como este o terá ajudado no passado. Uma jovem ali perto
dizia que o Luaty estava a ser chorado ainda em vida e implorava a Deus
que o salvasse. A Tia dizia que se lembrava do Luaty Beirão quando ele
era criança; brincava com os filhos dela e estudou na Europa com um
sobrinho. A Tia abanava a cabeça, dizendo que como mãe não conseguia
aturar tanta maldade política, tanta injustiça.
Depois, fez-se uma roda e as pessoas começaram a cantar – incluindo o
hino nacional. Esta solidariedade entre angolanos, unidos em defesa da
justiça, incomoda bastante. É por isso que não fiquei nada surpreendido
quando, no noticiário, se falou de vigílias ilegais.
Também não fiquei surpreendido quando, no passado dia 12, agentes
policiais, fardados e armados, interromperam a missa pela saúde dos
presos políticos, na Igreja de São Domingos. Os referidos agentes
espancaram e detiveram, no templo de Cristo, activistas que lá se
encontravam e o padre que rezava a missa. Desse regime só não se espera o
bom senso, o respeito pela democracia e a vida humana. Tudo o resto é
possível.
Por: Moiani Matondo 14 de Outubro de 2015
Fonte: Maka Angola
Sem comentários:
Enviar um comentário