Em carta,
Janot diz que MP não pode se influenciar pela 'paixão das ruas'
Por: Matheus
Leitão
Em
carta enviada nesta terça-feira (22) a 1,2 mil procuradores, o procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, afirmou que o Ministério Público Federal não pode
permitir que “as paixões das ruas" encontrem guarida nas fileiras da
intituição. O chefe do Ministério Público encaminhou o comunicado, por
meio da rede interna dos procuradores, uma semana depois de uma decisão do juiz
federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, gerar
polêmica e discussões entre juristas por revelar ao país o conteúdo de uma
conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff.
No
texto em que cita Abraham Lincon, Nelson Mandela e Winston Churchill, Janot não
menciona nenhum dos investigadores da Lava Jato. No entanto, o procurador-geral
alerta que os integrantes do Ministério Público devem apagar o "brilho
pesonalista da vaidade para fazer brilhar o valor coletivo".
Ele
também ressalta aos subordinados que, embora seja um "belo trabalho",
a Operação Lava Jato “certamente não salvará o Brasil". "Até porque
se tivéssemos essa pretensão, já teríamos falhado antes mesmo de começar”,
enfatiza Janot, que é responsável pelas investigações de políticos com foro
privilegiado.
Na
visão do PGR, se o MPF ainda não compreendeu isso, estará "não só
insuflando os sentimentos desordenados que fermentam as paixões do povo, como
também traindo a nossa missão e a nossa própria essência”.
“Esse
belo trabalho [Lava Jato] – estou convicto disso – tem as condições necessárias
para alavancar nossa democracia para um novo e mais elevado patamar, se, e
somente se, soubermos manter a união, a lealdade institucional, o respeito à
Constituição”, ponderou o procurador-geral.
Na
carta, Rodrigo Janot destaca ainda que se o MPF atingiu "o sistema nervoso
central da corrupção", "isso não se deve a iniciativas individuais,
ao messianismo ou ao voluntarismo", e sim "ao conjunto de
experiências e conhecimentos acumulados coletivamente ao longo de anos de
labuta, de erros e de acertos”.
Segundo
o Blog apurou, a carta, intitulada
de “união e serenidade”, já está sendo aplaudida pela maioria da carreira
internamente, com um texto preciso em relação ao momento do país.
Leia
a íntegra da carta enviada pelo procurador-geral da Republica, Rodrigo Janot, a
1,2 mil integrantes do Ministério Público Federal:
União e Serenidade
“Encontramo-nos atualmente empenhados numa
grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra Nação assim
concebida e consagrada, poderá perdurar”. Essas foram palavras proferidas por
Abraham Lincoln, em 19 de novembro de 1863, por ocasião de um conflito que
dividia dramaticamente o povo dos Estados Unidos da América.
O pano de fundo da dissensão era a luta pela
liberdade consubstanciada no fim da escravidão. Lincoln, como um grande
estadista, sabia que, por mais justa que fosse a sua causa, vencer a guerra a
qualquer custo não seria uma alternativa válida. O país, após o sangrento
conflito, deveria sobreviver ou não haveria verdadeira vitória.
Em respeito à memória dos mortos, que ele
homenageava no cemitério de Gettysburg, o presidente percebeu com muita
clarividência que a própria noção de liberdade, como valor para as nações
democráticas, sairia enfraquecida ou mesmo pereceria, caso o desfecho do
conflito fosse a fratura irreconciliável entre os irmãos americanos. Abraham
Lincoln queria, acima de tudo, um país unido e forte, em que o governo do povo,
para o povo e pelo povo jamais desaparecesse da face da terra.
Com o
grande líder Nelson Mandela também não foi diferente. Após 30 anos de cárcere
decorrente de sua luta pelo fim do apartheid, Madiba, como era carinhosamente
conhecido, derrotou a nódoa da segregação racial e chegou à presidência da
África do Sul. Muitos dos companheiros que compartilharam da sua luta
acreditavam que, com a sua assunção ao poder, era a hora da revanche contra os
que, por tantos anos, injustamente os oprimiram. Mas Mandela foi um gigante em
humanidade e sabedoria.
Ao contrário do que se poderia esperar de um
homem tão brutalmente injustiçado, ele decidiu seguir por um caminho que não
levasse o seu país a se desintegrar em uma guerra fratricida e de consequências
imprevisíveis. Sem aquiescer com o mal, esse extraordinário estadista,
encontrou uma forma sábia de desfazer os equívocos do passado, preservando a
unidade de sua nação.
Cito esses dois exemplos extremos para falar
do Brasil, do Ministério Público e do momento atual. Refletindo sobre tudo
isso, chego à conclusão de que há muitos anos o país não atravessa uma crise
tão aguda e grave como a que vivemos nestes dias difíceis.
É certo que cada época tem os seus desafios,
que os problemas, as soluções e os riscos são próprios e datados, mas não é
menos certo que há valores e atitudes que influenciam decisivamente a ordem dos
acontecimentos e que não estão jungidos ao tempo nem ao espaço.
Refiro-me
à temperança, à coragem, à sabedoria e à humildade. Não sairemos dessa crise
melhores como país se escolhermos o caminho da radicalização. Essa estrada só
tem curso para nos levar ao ódio e à desintegração do sentimento de unidade
essencial que deve permear o nosso povo, para além das divergências políticas.
Nesses
momentos singulares, as paixões afloram, a psicologia das massas dita condutas
e, no ponto de inflexão, tudo pode mudar para melhor ou para pior. Podemos com
a crise avançar ou retroceder, ficar estáticos jamais. Então, o que será
determinante nessa hora difícil para que a nossa história siga por um ou por
outro lado? Muitos fatores, certamente. Mas dentre todos eles, gostaria de
destacar dois: a qualidade de nossos líderes e a força de nossas instituições.
Dito de
forma melhor: avançaremos na medida em que as lideranças operem, com firmeza e
serenidade, nos limites estritos da institucionalidade. Nenhum de nós, por mais
lúcido e clarividente que seja, é capaz de sozinho e ao largo do processo
institucional apontar saídas que nos conduzam a um futuro melhor.
O Brasil
superará essa crise, não há dúvida sobre isso. Esse fato sequer depende do
Ministério Público, da Justiça ou dos partidos, ao contrário, vai ocorrer, se
for necessário, apesar de todos nós, pela força da própria sociedade. Temos, no
entanto, uma escolha: institucionalizaremos os valores republicanos,
democráticos e do estado de direito, ou afundaremos o país em um perigoso jogo
de poder que nada há de agregar à construção da cidadania e da civilidade?
Para responder a essa pergunta, é preciso
entender que, sob qualquer governo, de esquerda, de direita ou de centro, o
futuro só será generoso conosco se aceitarmos definitivamente que não existe
salvação possível fora das instituições.
O
Ministério Público forjou suas potencialidades em anos de trabalho incessante
de combate à corrupção, o qual é desenvolvido por seus membros nos mais
recônditos lugares do país. Se chegamos, agora, ao ponto culminante do enfrentamento
desse mal que assola nossos governos, atingindo o sistema nervoso central da
corrupção, isso não se deve a iniciativas individuais, ao messianismo ou ao
voluntarismo, mas ao conjunto de experiências e conhecimentos acumulados
coletivamente ao longo de anos de labuta, de erros e de acertos.
O país
precisa, mais do que nunca, de que o Ministério Público cumpra fielmente o seu
destino nesse momento crucial, e, para tanto, precisamos de coletivamente
compreender três verdades intuitivas: a primeira, o desafio da nossa hora é o
de combater a impunidade; a segunda, o Ministério Público não tem ideologia nem
partido, de modo que nosso único guia deve encontrar-se no texto da
Constituição da República e nas leis; a terceira, devemos manter aceso nosso
sentimento de unidade, sem cizânias personalistas ou arroubos das
idiossincrasias individuais.
É
chegada a hora de exercermos, por inteiro, as nossas funções institucionais,
influenciando a sociedade pelo bom exemplo e pelo trabalho técnico e sereno. Não
podemos permitir que as paixões das ruas encontrem guarida entre as nossas
hostes. Somos Ministério Público.
A
sociedade favoreceu-nos, na Constituição, com as prerrogativas necessárias para
nos mantermos alheios aos interesses da política partidária e até para a
defendermos de seus desatinos em certas ocasiões. Se não compreendermos isso,
estaremos não só insuflando os sentimentos desordenados que fermentam as
paixões do povo, como também traindo a nossa missão e a nossa própria essência.
Conclamo
todos os membros do Ministério Público ao cumprimento dos seus deveres para com
país. Devemos dar combate incessante à corrupção, seja onde for e doa a quem
doer, mas há de se preservar sempre as instituições.
A Lava
Jato certamente não salvará o Brasil, até porque se tivéssemos essa pretensão,
já teríamos falhado antes mesmo de começar. No entanto, esse belo trabalho –
estou convicto disso – tem as condições necessárias para alavancar nossa
democracia para um novo e mais elevado patamar, se, e somente se, soubermos
manter a união, a lealdade institucional, o respeito à Constituição.
Devemos
apagar o brilho personalista da vaidade para fazer brilhar o valor do coletivo,
densificando a institucionalidade dentro da nossa casa e, consequentemente, no
País.
Para
encerrar, socorro-me uma vez mais de outro insigne estadista – Winston
Churchill – que guiou seu país em uma terrível guerra pela sobrevivência e pela
liberdade. Parafraseando-o, desejo que, unidos no cumprimento do próprio dever,
tenhamos, nas nossas mentes e nos nossos corações, a ideia firme de que se o
Ministério Público brasileiro durar mil anos, possam os homens dizer de
nós: “Este foi o seu melhor".
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