segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Jesus: um Deus refugiado


Fala-se, em algumas tradições teológicas, que Jesus passou por um processo de dupla Kénosis (o ato de esvaziar-se de si): se esvazia de sua realidade divina para assumir uma condição humana (conforme o texto de Fl 2, 6 – 7, Jesus “tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens.”); e dentro da condição humana, se encarna em um cenário de inúmeras privações (segundo o texto de 2Co 8, 9, Jesus “embora fosse rico, se tornou pobre por causa de vocês, para com a sua pobreza, enriquecer a vocês.”). Mas, Jesus, que já nasceu pobre, enfrenta o que eu chamo de uma terceira Kénosis: a necessidade de se refugiar.

“Levante-se, pegue o menino e a mãe dele, e fuja para o Egito! Fique lá até que eu avise. Porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo." José levantou-se de noite, pegou o menino e a mãe dele, e partiu para o Egito. Aí ficou até a morte de Herodes” (Mt 2, 13 – 15).

A situação de Jesus como referida na sagrada escritura é contemplada pelo conceito de refúgio dos dias atuais: deixar seu país de origem por conta de uma grave e generalizada violação de direitos humanos, ou ser perseguido devido raça, religião, grupo social, orientação sexual etc., a fim de garantir sua vida e integridade física.

Ou seja, um refugiado não se refugia porque opta, mas porque não tem escolha onde está. Assim como Jesus, muitos refugiados que se encontram em grandes centros, campos, e nos perigosos caminhos via terra ou mar (todos se lembram da imagem do menino Aylan que foi encontrado afogado em uma praia da Turquia) para encontrarem uma condição digna de vida, saem de seus países de origem sem nada, ou com muito pouco.

No local que os recebem, nem sempre há uma acolhida fraterna: muitas vezes, por conta da língua, as pessoas refugiadas não encontram um grupo, vivem sós, não trabalham; são alvo também de preconceitos e violência. Em muitos casos, os reveses da região são automaticamente associados à chegada de refugiados, e continuam sendo perseguidos, excluídos, marginalizados. Se fosse hoje, Jesus, Maria e José teriam dificuldade de encontrar um local, pois muros e cercas impediriam a passagem.
Muitos também não têm a mesma graça da Sagrada Família, e no momento de fugir, não conseguem ficar unidos ou se perdem.

Nesse Natal é também tempo de fazer memória desse Menino Jesus que nasce tendo que fugir, esse Deus refugiado. E que possamos nos sensibilizar com as dificuldades de nossos irmãos e irmãs refugiados, que tentam re-encontrar a esperança de uma vida em paz em outras terras; que a nossa única mensagem seja de acolhida, diante de tanta perseguição e guerra que já passaram, e que o Menino não precise mais se refugiar, mas simplesmente nascer.

“Não oprima o refugiado: vocês conhecem a vida do refugiado, porque vocês foram refugiados no Egito” (Ex 23, 9).

Por: Osvaldo Meca*

*-Osvaldo Meca, 27anos, é integrante do Movimento Juvenil Dominicano, participa do Anchietanum e mestrando em História.

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